“Assim caminha a humanidade”
TEXTO RIVY PLAPLER TARANDACH FOTO DÉBORA MAGRI
Não muitos anos atrás as pessoas que trabalhavam em escritório, quando precisavam de um documento, havia a necessidade de levantar-se e ir até a mesa do colega de trabalho. Chegando lá, sempre rolava um “tudo bem?” com uma conversa leve e breve antes de pedir o documento necessário. Esse relacionamento parecia não ter a menor importância, hoje com uma análise mais profunda conseguimos detectar diversos aspectos. O primeiro é que todas as pessoas têm um tempo máximo de concentração. Para sermos mais produtivos precisamos às vezes quebrar a tensão e tirar o foco, e isso acontecia naturalmente no processo de ir à mesa do vizinho. Outro aspecto importante é que ficar sentado o dia todo tem um potencial destrutivo assustador. Nós precisamos nos levantar e mexer as articulações, colocar o corpo em movimento para vivermos melhor.
Hoje em dia tudo está ao alcance de um clique. Mesmo nos escritórios que ainda não migraram para as nuvens (o chamado home office no qual cada colaborador trabalha em um terminal de computador em qualquer lugar) e que ainda preservam a tradicional configuração de mesas e pessoas em um mesmo ambiente, mesmo nestes é raro ver comunicação oral ou até mesmo as pessoas se levantarem. Foi uma mudança muito grande em muito pouco tempo e já temos gerações que não sabem trabalhar se não for por meio de uma tela.
Não acredito que podemos medir na íntegra todas as patologias advindas dessa nova forma de viver, mas quem primeiro sente são as crianças. Nossos consultórios estão cheios de crianças sem limites. O limite não começa com o “não”, ele começa nos limites naturais do nosso próprio corpo. Qual o limite da minha pele com o ambiente? Até onde vai meu alcance? Primeiro precisamos sentir o limite, para depois entendê-lo. Um bebê que não tem muito contato físico terá dificuldades de entender os “nãos” e os limites naturais da vida adulta. Hoje existem crianças que não são pegas no colo, que não têm proximidade com os pais, que não conseguem aprender o “não”, que quando ganham mobilidade são estabanadas e até mesmo crianças que não desenvolveram a motricidade fina, tão necessária para pegar um simples lápis... As crianças estão perdendo espaços-tempo de brincadeiras que, em outros tempos, desenvolviam o corpo e a mente.
A humanidade vive por ciclos e isso acontece em todas as esferas, desde a oposição no governo até as condições climáticas naturais. No campo do relacionamento percebo um esforço natural para o resgate de antigas práticas que se mostraram eficazes. Vejo pessoas resgatando um modo de vida mais natural por meio de alimentos orgânicos. Pessoas que buscam o equilíbrio por meio da yoga e outras práticas de origem oriental, próprias para o homem do ocidente que tem uma mente aceleradíssima e precisa de ajuda para entrar em um estado meditativo. O meu campo de trabalho e estudo, a terapia ocupacional, é uma profissão que também utiliza práticas que buscam resgatar o viver bem.
TERAPIA OCUPACIONAL
O terapeuta ocupacional estuda a atividade humana. É uma profissão que cresceu muito no período pós-guerra no campo da reabilitação. Na USP (Universidade de São Paulo), de onde vem minha formação, nosso olhar vai além da reabilitação e recai sobre o desenvolvimento do ser humano como um todo e da busca de se entender. A terapia ocupacional trabalha com uma tríade: paciente, terapeuta e atividade. Nós lançamos mão de determinadas atividades e assim podemos dizer o que ela promove para o paciente que a for executar.
Vamos usar como exemplo de atividade o torno de argila. Quando o torno de argila começa a girar você tem uma série de forças em ação, a força centrípeta, centrífuga, gravitacional e até a força dos seus músculos. Imagine uma pessoa que tem por característica ser controladora. Se ele ou ela não aprender a lidar com as forças no torno, a argila mole em sua mão vai virar uma meleca. No torno nós aprendemos a somar nossas forças com as outras para criar algo. Para alguém que é ansioso ou controlador essa acaba sendo uma experiência incrível para a vida. Em um momento de tensão, como uma apresentação de trabalho, ele vai usar a calma para se perguntar “quais forças estão agindo aqui?” e desenvolver seu trabalho da melhor forma. Tenho também a experiência de, no torno, brincar com uma criança que apresenta hiperatividade e déficit de atenção e ela ficar concentrada por 40 minutos na massa de argila! Algo muito difícil para ela com outros materiais.
Qualquer pessoa pode buscar um profissional da Terapia Ocupacional para se restabelecer na vida, seja no campo do desenvolvimento pessoal ou até mesmo no caso de patologias como reabilitação de problemas motores, neurológicos, mentais em termos de cognição, emocionais e sociais, além de populações em situações vulneráveis como dependentes químicos e questões sociais. Em crianças a maioria dos casos envolve distúrbios de aprendizagem e desenvolvimento.
Qualquer que seja a técnica abordada, o terapeuta ocupacional sempre vai trabalhar com a devolutiva. O terapeuta não é apenas um escutador, ele ajuda o paciente a reinterpretar sua condição e decidir por que caminho quer caminhar.
SELF-HEALING
Um dos métodos em que me especializei foi o Método Meir Schneider Self-Healing de Autocura, criado na década de 70 nos Estados Unidos pelo ucraniano Meir Schneider, baseado em sua experiência de recuperação da própria deficiência visual. Essa metodologia nos ajuda a aflorar nossa consciência corporal, não só física, pois temos vários corpos: físico, mental, emocional e espiritual. Ao aguçar nossa percepção e autoconsciência desenvolvemos a capacidade de restabelecer o equilíbrio e a autocura. Tudo isso através de exercícios passivos, ativos e respiratórios; relaxamento e massagens regenerativas.
O terapeuta formado também usa a massagem como instrumento. Ele vai além da massagem convencional relaxante porque entra no contexto do que o corpo denuncia sobre como o paciente está vivendo. Pontos sensoriais estratégicos apontam para sentimentos ocultos, como raiva, fardo pesado, culpa e assim por diante.
O método vem se destacando na recuperação e prevenção de doenças ósteo-musculares relacionadas ao trabalho, problemas de coluna, atrofias e distrofias musculares, osteoporose, artrite e artrose, problemas de visão e até no campo do desenvolvimento pessoal. É um ótimo tratamento terapêutico para despertar o corpo para a saúde.
Muitas pessoas acham que o Self-Healing é algo místico e transcendente. Na verdade, ele tem muito de científico, como defendem várias teses desenvolvidas sobre esse tema. Por exemplo: na nossa primeira infância tudo é sensório e motor. É muito difícil você chegar para uma criança de 3 anos e dizer “escuta, vou te explicar como acontece”. Não vai dar certo. A criança aprende por meio do concreto, do que é tátil. Dentro do Self-Healing isso se traduz em várias práticas, como a respiração consciente e os movimentos realizados com atenção dirigida para membros, articulações e até órgãos internos.
O mundo contemporâneo e todas as mudanças vindas com ele estão aqui para nos favorecer. Em muitos aspectos a tecnologia encurtou distâncias e isso é ótimo. Precisamos apenas aprender a viver (bem) com o novo. Avalie-se a si mesmo e reflita: minha vida está em movimento? O corpo que não se movimenta adoece. Movimento inclusive de ideias. Uma pessoa extremamente rígida vai ter dificuldade para viver e até respirar. Nós podemos nos cuidar!
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